Deixa-me, que eu não tenho a culpa de ver-te cair. Sim, eu não tenho a culpa de ver-te cair
(Enrique Ortiz de Landázuri Izarduy).
Umas vezes, é ficção; outras vezes, não.
segunda-feira, 30 de março de 2015
O procedimento
-Ai doutor - exclamou a mãe sem concretizar
-É verdade. O diagnóstico diz que, enfim, o rapaz tem um... prognóstico
-Ai que horror - disse a senhora
-É muito aborrecido, uma situação muito chata.
-Sem dúvida, muito chata - acrescentou o pai
-Naturalmente, realizámos mais exames, analisámos cui-da-do-sa-men-te cada contorno do prognóstico e detectámos, ao nível do primeiro palpite, um diagnóstico
-Ai credo
-É verdade. O mais grave é que não se trata de um diagnóstico qualquer: quis o destino que esse diagnóstico fosse precisamente... o nosso diagnóstico
-Isso é muito, muito chato - disse o pai
-Chatíssimo. É uma situação que ultrapassa vários limites. Muito desagradável. Vejam os senhores que andamos aqui às voltas. Uma equipa inteira, notem bem, para trás e para a frente, ora diagnóstico, ora prognóstico... sendo que, de cada vez que andam para trás, estão a andar para a frente; de cada vez que andam para a frente, estão a andar para trás. Enfim, andam o dobro daquilo que andam. É uma coisa que cansa.
-Evidentemente, naturalmente. Ó doutor, se soubéssemos que era para isto, não tínhamos vindo ao hospital. Tínhamos antes ido de férias.
-Não, não, não não... nem pensar. Fizeram muito bem vir ao hospital. É bom vir ao hospital. Além disso, nós estamos preparados
-Ai, que bom - disse a mãe
-Sim, nós estudámos medicina. Aprendemos uma variedade de coisas
-Ai, que bom, que bom - insistiu a senhora
-Foi, aliás, com base numa pequena parte dessa variedade de coisas - não muito pequena, mas pequena o suficiente - que eu pensei e acabei por concluir e depois tomar uma decisão em conformidade
-É todo um procedimento - disse o pai
-É complexo, sim. Prefiro não entrar em detalhes.
-Deixa o doutor explicar
-Bom, então decidi - e fi-lo com o total apoio da minha equipa, que continua para trás e para a frente e a quem estou muito grato - dizia eu que decidi dar uma vacina ao rapaz
-Ai, vacinas é bom
-Também gosto, também gosto
-Não é uma simples vacina: é uma vacina que previne - notem: previne! - futuros diagnósticos
-Bravo, doutor
-Brilhante. Nunca me passaria pela cabeça
-Foi precisamente para isto que eu estudei medicina
-E acha que resulta, doutor?
-Eu acredito que sim. Acredito que sim. O rapaz pode continuar a ter coisas, claro. Uma panóplia quase infinita de coisas, não lhe estamos a amputar nada. O que é que nunca mais ninguém vai saber do que se trata e, assim, lidaremos todos muito melhor com a situação. Isto é o que eu penso.
-Concordo absolutamente. Vamos embora.
terça-feira, 24 de março de 2015
Longevidades
terça-feira, 17 de março de 2015
Team building
O casaco
-Olha, o que é que achas? Estou bem?
-Hum?... Sim, 'tá cool.
-E o casaco?...
-É fixe.
-Não achas que está assim... meio velhinho?
-Merhm... bom, sim... parece um bocadinho velhinho.
-Como assim?
-Como... como assim?
-Velhinho como?
-Babe, velhinho tipo... um pouco gasto. Não parece muito novo.
(A despir o casaco, amuada)
-Opá, fogo, tu...
-Mas... tu perguntaste, eu só disse...
-És sempre a mesma coisa. Gosto bué deste casaco.
-... não é como se tivesse sido eu a envelhecer o casaco, quer dizer...
(Minutos mais tarde, enquanto lavo a loiça.)
-Olha e este? Achas que fica bem?
-Mehrm... o que é que... o que é que tu achas?
-Eu é que estou a perguntar.
-Acho que sim, acho óptimo.
-Estás a mentir. Estás a dizer isso só para eu ficar contente.
-Não, não... a sério. Gosto desse casaco.
-O jantar é na Almirante Reis, também não preciso de ir toda tcharan...
-Babe, esse casaco... isso funciona em qualquer circunstância, onde quer que seja... desde que não seja Verão ou assim.
-Hum.
(Minutos mais tarde, mesmo antes de sair, despindo o segundo casaco.)
-Não... Isto assim não. Vou levar o outro, só desta vez. Gosto mais. Até logo *schuac*